A um toque da Pandemia

De repente, toda população ficou unanimemente cega para a detecção de um assombroso invisível inimigo comum

 

Seguia até março de 2020 uma rotina composta de mais um carnaval, estudos, trabalho, lazer, vida social. Como de costume, buscava informações do dia a dia, pelas quais gradativamente os veículos de comunicação anunciavam a aproximação firme de um mal invisível em direção ao Brasil.

De repente, toda população ficou unanimemente cega para a detecção de um assombroso invisível inimigo comum: A pandemia de covid-19, transmitida pelo novo Corona Vírus, contagioso a qualquer idade, classe social, religiosa, étnica, idiomática.

A realidade desta crise mundial, agora local, inicialmente abalou a capacidade de reação, impôs uma preocupação geral frente a um democrático inimigo letal, invisível, que poderia ser transmitido por respiração em tudo, por todos e que exigiu, como principal medida a preservação da vida, mesmo que comprometesse o exercício da preciosíssima liberdade.

Na condição de pessoa com cegueira que como milhões de brasileiros com deficiência visual usa muito mais o toque para locomoção, transporte, aprendizado, apreciações.

Guardei a bengala na vital privação, consciente de que a infecção poderia estar em qualquer pessoa, ou lugar, o caminho foi um distanciamento social rigoroso, que não significou improdutividade.

Nas ruas me constituiria um paradoxo misto de vulnerabilidade e periculosidade. Numa possibilidade concreta de contrair a doença, estaria ao alcance de solidariedades. Noutra, em uma possível situação de embaraço, não contaria com o suporte de terceiros receosos de que eu fosse um veículo transmissor do abominável perigo.

Este significativo impacto emocional embasou a decisão de não mais ir e vir livremente, respeitando e encarando meus medos pois estava em jogo meu insubstituível bem: a vida, ameaçada pelo pandemônio que escancarou de vez a desestrutura da infraestrutura nacional de necessidades básicas como saneamento além de, principalmente, os serviços público e privado de saúde com risco iminente de colapso.

Adotei como meios de travessia da delicada fase, reflexões sobre finitude, interdependência, ocupação do tempo com foco nas virtudes, teletrabalho, Lives instrutivas e musicais, sequência do curso no Conservatório Pernambucano de Música, encontros artísticos e culturais online, reciclagem de convivência familiar, seletiva audiência de noticiários, revisão de objetivos, de estratégias. Sem contar com a consultoria em audiodescrição para o grupo de Tradução, mídia e audiodescrição (tramad) da Universidade Federal da Bahia.

Destaque para participação em tarefas domésticas, partidas domiciliares de dominó, o inédito corte do próprio cabelo, o primeiro preparo composto da limpeza, tempero e cozimento de ave que resultou numa refeição aprovada pela família com surpresa e louvor.

Indispensáveis nestas providências de proteção física, espiritual e mental, destacam-se o reforço de novos padrões de higiene, uso de máscaras, afastamento presencial, contato virtual saudável com o ciclo de conhecidas e conhecidos, bem como o arraial junino na sala, regado à dança e comidas típicas preparadas em casa.

Com as “drogas” acima preparei meu antídoto contra passividade e insuficiência, bem como num combate da moléstia, grave ameaça que em dados instantes me parecia onipresente, sem vacina, livre, leve e, letalmente, solta.

Reconheci e respeitei meus medos, convivendo melhor após essa decisão, num cenário de incertezas e ameaças mais vívidas ao bem maior, o que serviu de reciclagem num processo trabalhoso de reformas gerais, e, convicto, aderi ao distanciamento social rígido em busca de resultados, focando na meta de preservação e sobrevivência.

Indiscutivelmente numa nova angular em prol de um ambiente propício de defesa, tratei primeiro a manutenção da base pessoal, um mergulho interior de cuidadoso olhar compreensível, era de autoacolhimento em prol de mudança íntima, composta de reflexões sobre finitude, interdependência, revisão de valores sobre o que realmente tem ou faz sentido.

Nesta conjuntura de substituições, passei a prestar mais atenção ao domicílio que, com mais aromas de água sanitária, álcool e sabão, agora sedia o lar, o trabalho, a escola. Um cômodo subutilizado foi revitalizado, num exercício de desapego e reformulação no qual, armários, caixas, discos, livros, entre outros objetos, foram doados para ilustrar e compor a história de terceiros.

Deram espaço a outro designe interno, testando minha coragem e desapego de acumulação de coisas que foram marcantes, mas que já tinham cumprido seu ciclo comigo e, forçosamente, aceleraram uma inovação de percepções com compromissos honrados e expedientes dados ora na cozinha, na rede ou sofá, frequentes palcos de ideias, minutas, relatórios e reuniões laborais.

Deste modo, distanciado mas não desconectado, acompanho as mazelas do cotidiano, A burocracia para os mais necessitados, aglomerados em filas, receberem o auxílio do governo, enquanto abastados são denunciados de tirar proveito da situação, suspeitos de malversação de recursos públicos; reportagens de exposições insanas nas ruas; a falta de acesso de estudantes ao ensino a distância.

Por outro lado, experimento sensações de fortalecimento motivado pelas milhares de vidas salvas, o engajamento de voluntários, a dedicação dos profissionais de saúde e dos que atuam em serviços essenciais que assumiram responsabilidades, norteados por respaldos científicos e humanitários.

Neste contraste de circunstâncias, sigo a pauta agradecido pela oportunidade de compartilhar com a sociedade por meio do conceituado Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, minha jornada durante o inusitado flagelo global e respectivos desdobramentos. Nutrindo-me de minhas periódicas Lives mentais reservadas , nas quais me abasteço da rememoração de prazerosos passeios, viagens, descontrações, onde cada lembrança reforça a expectativa de que em breve sejam viáveis agradáveis contatos físicos de afeto.


Roberto Luiz da Silva Cabral (Roberto Cabral)

Bacharel em Direito com pós-graduação em direito público, MBA em gestão do ministério público; servidor concursado do ministério público de Pernambuco, representante de base no sindicato dos servidores do ministério público de Pernambuco; consultor em audiodescrição com capacitações nacionais e internacionais estudante do Conservatório Pernambucano de música no curso regular de viola de 10 cordas, aluno de música no instituto dos cegos de Recife, formações de ator cursadas no Sesc e Espaço O Poste, multi artista atuante como cantor, músico, dançarino e ator teatral.


 

 

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